O APOIO PSICOLÓGICO A CRIANÇAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL.
Polyana de Oliveira GuimarãesNos últimos anos, a violência e o abuso sexual contra as crianças têm sido tema de grande interesse público e, infelizmente, esta forma de violência faz parte do cotidiano da nossa sociedade. Apesar disso, as pessoas não têm consciência da verdadeira dimensão do abuso sexual infantil, suas causas e conseqüências para essas crianças. A violência sexual pode perdurar por um curto ou longo período na vida das vítimas. E quando essas são crianças há, invariavelmente, uma desestruturação de todo um breve rocesso de aprendizagem e de desestruturação da personalidade, assim como, a autoconfiança, a auto-estima, causando negação de si e negação do outro, sentimentos de rejeição, medo, raiva, insegurança, entre outros danos físicos e psicológicos,que podem ter como agravante o fato de alguns agressores serem pais, mães e/ou parentes próximos a criança. Observa-se, com isso, a importância de fomentar esclarecimentos sobre como proporcionar uma melhor readaptação e restabelecimento de valores emocionais que foram abalados
e/ou perdidos com a violência sofrida; o aprofundamento teórico sobre a história e conceitos relacionados ao abuso sexual infanto-juvenil, informando considerações relevantes sobre as conseqüências biopsicossociais que tal abuso pode causar à criança; a ampliação da percepção de comportamentos característicos apresentados por uma criança vitimizada; bem como mostrar aspectos inerentes aos agressores, uma vez que a literatura em geral considera o agressor sexual infantil como um psicopata e não como um louco, como muitos dos advogados de defesa tentam provar que os agressores são. Faz-se necessário também dispor que a proximidade do agressor em relação à vítima (casos incestuosos) são mais graves do que os casos em que o agressor é alheio à família. As crianças vítimas de abuso sexual apresentam mais sintomas problemáticos do que as crianças não abusadas sexualmente, mas que sofreram algum tipo de violência; apesar disso, as conseqüências para ambas são variáveis e dependem de fatores como: idade da pessoa agredida e da que agride; tipo de relação entre eles; personalidade da vítima; duração e freqüência da agressão;tipo e gravidade do ato; e, reação do ambiente. Vale ressaltar que não podemos tratar da violência infligida a criança sem pensar no contexto no qual ela ocorre, observando com clareza a situação da criança em sua família e o impacto que o abuso terá após a revelação, as reações do círculo dos conhecidos, as decisões sociais, médicas e judiciárias que intervirão no caso e, principalmente, a idade e a maturidade fisiológica da criança, pois as mesmas influenciarão na variabilidade das conseqüências. A evolução infantil do incesto para o amor e do abuso para a empatia tem sido lenta e progressiva. A evolução das relações pais-filhos é uma fonte dependente de mudança histórica e está apoiada na habilidade das sucessivas gerações de pais de viverem seus próprios traumas de infância uma segunda vez, e para que os mesmos funcionem com suas antigas ansiedades de uma maneira diferente nessa segunda vez, se faz necessário o acompanhamento de um psicoterapeuta para que os futuros pais ressignifiquem seus valores e os valores de seus filhos. E é nesse sentido que nós, psicólogos, podemos mudar a história da humanidade. O século XX foi bastante decisivo
para a h istória da criança. Em 1989, na comemoração dos trinta anos da Declaração dos Direitos da Criança, houve um marco na legislação internacional sobre os direitos humanos das crianças que foi a Convenção sobre os Direitos da Criança. Em 13 de julho de 1990 foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com isso a criança e o adolescente deixaram de ser objeto de direitos para se tornarem cidadãos e, como tais, sujeitos de direito. A Psicologia, sendo uma ciência comportamental que observa e estuda as estruturas psíquicas do homem, aliada a teoria e a outros profissionais serve como fonte de sustentação e apoio a crianças que, imprescidivelmente, precisam de uma orientação mais específica para que o trauma sofrido não se firme, gerando proporções inevitáveis para o resto de suas vidas. Vale ressaltar que a fundamentação do apoio prestado a essas crianças e adolescentes vitimizados necessita de uma visão interdisciplinar, uma vez que resultados satisfatórios são mais facilmente alcançados quando existe um planejamento em conjunto com vários profissionais, como psicoterapeutas, assistentes sociais, médicos e advogados. A interdisciplinaridade é caracterizada basicamente pelo intercâmbio de várias especialidades com um único objetivo. É um modelo de atuação que depende da conjunção dos resultados dessas especialidades, sendo uma subsídio da outra em busca de um objetivo comum que é a integração real das disciplinas que a constituem e que servirão de apoio no desenvolvimento psicossocial da vítima após o abuso sexual. Seja qual for o profissional que irá atuar nessa área, ele deverá trabalhar suas resistências e defesas pessoais para que não haja um comprometimento desfavorável no processo devido suas limitações pessoais, como emoções, valores, preconceitos e outros. O contato com a violência sexual infantil será sempre doloroso, mas com a prática, o trabalho em equipe e a busca pelo crescimento pessoal, o aprimoramento desses profissionais poderá ser alcançado,aumentando cada vez mais a probabilidade de se obter resultados satisfatórios. Diante de todos os aspectos relevantes já mencionados, a postura dos profissionais deve ser a mais ética possível, uma vez que a análise do papel do psicólogo no atendimento à criança violentada sexualmente se dá através do sigilo e da necessidade de proteger a mesma de novas agressões. Contudo, não há como minimizar a importância da denúncia como mola propulsora para diminuição da incidência deste tipo de delito. Uma grande parte das vítimas de violência sexual faz uma tentativa de auto-revelação que,em geral, foi mal recebida, gerando comentários como “você está imaginando coisas” ou “ele jamais faria isto”. Os cuidados éticos do profissional que recebe uma denúncia de abuso sexual infantil devem priorizar o bem-estar e a segurança da criança, o que via de regra, significa praticar o que reza o art. 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra a criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providencias legais”. A evolução da sapiência em detrimento do bem estar humano nos faz crer que estudiosos e cientistas estão cada vez mais perto da concretização de objetivos idealizados há anos. O ECA, por exemplo, está sendo cada vez mais difundido e utilizado, tendo suas leis e princípios postos em prática pelos profissionais que lidam com crianças, principalmente os psicólogos, que proporcionam meios adequados para reestruturação psicossocial da criança vítima de abuso sexual, sendo esta uma forma de violência que produz conseqüências imensuráveis para as crianças que inocentemente são obrigadas a passar
por tamanho sofrimento e que promove uma desestruturação psicossocial bastante grave. A tentativa de favorecer a busca por resultados satisfatórios para a criança e família, faz da interdisciplinaridade um instrumento primordial para a superação do trauma, trabalhando através da construção de uma rede que prioriza a passagem do conflito para a “homeostase” psicossocial das vítimas. O acompanhamento psicológico deve ser elaborado visando a minimização dos danos causados pela violência, a reestruturação emocional, a ressignificação pessoal e emocional, bem como a revalorização familiar e a reintegração social da criança. A Psicologia, tanto no âmbito pessoal quanto familiar, a nível clínico ou jurídico, é de fundamental importância para todos que, direta (criança) e indiretamente (família), foram envolvidos no abuso e/ou violência sexual.