O PROFESSOR COMO AGENTE NA PREVENÇÃO E NA IDENTIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Ana Carla Vagliati
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE)
RESUMO
O artigo apresenta resultados da pesquisa de mestrado em educação que objetivou conhecer como os professores lidam com a violência sexual no espaço escolar: se sabem identificar sinais de violência sexual em seus alunos e, quais suas ações frente a esse fenômeno. Para isso, realizamos uma pesquisa empírico-bibliográfica de cunho quali e quantitativo. Realizamos entrevistas individuais com trinta e um (31) professores em onze (11) escolas da rede municipal e estadual do município de Francisco Beltrão – PR, que tinham alunos vítimas de violência sexual. Ancoradas na pesquisa bibliográfica e de campo constatamos limitações dos professores em identificar sinais de violência sexual em seus alunos. Através dos dados empreendidos, concluímos que falta investimento em políticas públicas municipais no que se refere à prevenção e o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, como também, na formação de professores em sexualidade e em educação sexual. Assim, defendemos a formação de professores, em educação sexual emancipatória, como instrumento da maior importância para a prevenção e a identificação da violência sexual no espaço escolar. Tal formação poderá encorajar os professores a escutar os gritos silenciados por essa violência.
Palavras-chave: Educação; Sexualidade; Formação de Professores; Violência Sexual.
INTRODUÇÃO
Autores como Ariès (1978), Azevedo e Guerra (2000), Del Priore (2013), Passetti (2013), dentre tantos outros, nos mostram que a história da criança e do adolescente esteve, em várias épocas e em diversos países, marcada pela vitimização das diversas formas de violência, inclusive a sexual. Esse fenômeno aconteceu e, ainda acontece em larga escala, devido à trama das relações sociais e
culturais de cada época, sejam as concepções autoritárias e repressoras da sociedade patriarcal, com base no comércio sexual dos filhos e nos castigos corporais, ou pela ausência de políticas públicas que priorizem a proteção e o atendimento às crianças e aos adolescentes em situação de vulnerabilidade, aspectos emergentes na realidade brasileira.
Os autores supracitados desvelam a história da criança e do adolescente, nos remetendo, de certa forma a um pesadelo do qual recentemente começamos a despertar. Quanto mais regressamos na história, verificamos quão reduzidos foram os cuidados com essa população. Rompendo barreiras políticas, econômicas, sociais, religiosas e culturais, o fenômeno da violência sexual se constitui num grande desafio às diversas instituições profissionais e sociais.
Neste artigo defendemos que a escola tem papel fundamental na prevenção e na identificação da violência sexual. Acreditamos que o/a professor/a capacitado/a na área da sexualidade e violência sexual conseguirá identificar quando um/a aluno/a está sendo ou já foi vítima de violência sexual e tomar as providência cabíveis, como também, através de uma educação para a sexualidade trabalhar com a prevenção dessa forma de violência. Temos a consciência que a escola não irá solucionar a problemática que permeia a violência sexual, mas que pode ser uma grande aliada nessa questão social.
FACES DA VIOLÊNCIA
A violência sexual, como conhecemos hoje, entra em evidência a partir do século XX, sendo então, considerada como violação dos direitos da criança e do adolescente. Sofreu transformações conceituais, a considerar que sua definição advém de processos históricos, que envolvem o paradigma da proteção integral, inaugurado no país pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990. Para muitos/as autores/as, esta violência é tratada pela terminologia abuso sexual, que será mantida quando nos reportarmos a tais estudiosos/as da área. No presente
estudo utilizamos a terminologia violência sexual por sua ênfase nos debates mundiais e por compreendermos que esta abarca todas as outras.
Gabel (1997), ao se referir etimologicamente ao abuso, define que este indica afastamento do uso (“us”) normal. O abuso é, ao mesmo tempo, mau uso e uso excessivo. Significa ultrapassar os limites, transgredir. Há diversas críticas ao uso do termo abuso sexual, tradução do inglês sexual abuse, pois nele estaria implícito que há um uso (sexual) permitido pelas crianças e pelos adolescentes.
Definimos a violência sexual como uma dominação perversa, sendo, na maioria das vezes, mantida em segredo. Pode se constituir em manipulação psicológica de longa duração e causar consequências permanentes, das quais a vítima não sabe como se livrar, permanecendo imobilizada. É uma violência normalmente repleta de medo e muito sofrimento. Começa por um processo de sedução, que consiste na conquista sutil, que anula a capacidade de decisão da vítima e acaba em sua dominação e aprisionamento. (FALEIROS; FALEIROS, 2008).
A violência sexual segundo Faleiros e Faleiros (2008) se dá
[...] através do contato físico, ou seja, por meio de carícias não desejadas, penetração oral, anal ou vaginal, com o pênis ou objetos, masturbação forçada, dentre outros; e sem contato físico, por exposição obrigatória a material pornográfico, exibicionismo, uso de linguagem erotizada em situação inadequada. (p. 39).
Essa forma de violência contra crianças e adolescentes pode ser intrafamiliar/incestuosa ou não, heterossexual ou homossexual. O contato frequente com esta forma de violência faz com que a criança tenha dificuldade em diferenciar a agressividade das demonstrações de afeto da figura do agressor, que na maioria das vezes é o pai, o padrasto, o tio ou o avô.
No Brasil, a violência sexual ganhou evidência no início da década de 1990 e passou a ser tratada como um problema para além do âmbito familiar. Isso se deve ao fato de, no início dessa década, ter-se aprovado no âmbito social o ECA, que estabelece obrigatoriedade a toda sociedade de proteger e garantir os direitos das
crianças e dos adolescentes. Com a aprovação dessa Lei Federal, nᵒ 8.069/90, o Brasil passou a ser pioneiro em termos de proteção integral da criança e do adolescente em situação de risco, considerando a vida, a saúde e o bem-estar físico e psicológico. (BRAUN, 2002; SANTOS, 2011).
Anteriormente a esse período, a criança e o adolescente não ocupavam lugar de preocupação na legislação e na sociedade civil. A violência sexual vista como forma de violação de direitos passou a ter punição legal; assim, tanto quem a comete contra uma criança e/ou um adolescente quanto quem sabe, mas omite tal informação é punido na forma da lei. A partir de então, exige-se uma postura mais protetora por parte da sociedade, em especial das pessoas que convivem diariamente com crianças e adolescentes. O ECA também estabelece tal responsabilidade aos/as profissionais da educação e da saúde, destaque fundamental aos/as professores/as e aos/as médicos/as na comunicação às autoridades competentes, sendo que à omissão incide-se multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. (BRASIL, 1990; FALEIROS; FALEIROS, 2008; LANDINI, 2011).
Essa forma de violência assume diferentes características. Na violência intrafamiliar, que apresenta maiores índices e submete a vítima por um longo período, constata-se uma dinâmica característica que identifica essa família incestogênica. A violência sexual extrafamiliar aparece em níveis menos elevados e normalmente acontece só uma vez. Vitima crianças e adolescentes nos mais diferentes espaços sociais. A vivência dessa violência, tanto intrafamiliar quanto extrafamiliar, por crianças e adolescentes, pode acarretar sérias consequências físicas e psicológicas, prejudiciais para seu desenvolvimento, inclusive para as relações afetivo-sexuais na vida adulta. Ainda assim, todos os dias, em alguma parte do Brasil, crianças e adolescentes são vítimas dessa violência.
Consideramos que não se pode falar de trauma infligido às crianças e aos adolescentes sem pensar no contexto em que ele ocorre. Há fatores que podem estar relacionados ao dano emocional, causado pela violência sexual, como: a idade em que a violência iniciou (quanto mais nova a criança, mais difusos e severos
serão os efeitos); há quanto tempo acontece a violência (quanto mais duradouros e frequentes, mais sérios são os danos); o grau da violência ou as ameaças empregadas (quanto maior a força - danos físicos e, maiores forem as ameaças - danos psicológicos, piores serão os efeitos da violência sexual, isso se deve à anulação da criança e/ou adolescente enquanto sujeito); a diferença de idade entre o abusador e a vítima, pois se entende que, quanto mais distante for uma idade da outra, maiores serão os danos psíquicos; o grau de relacionamento entre abusador e vítima, sendo maiores e mais profundos os danos quando a violência é incestuosa pai/filha; a ausência de figuras parentais protetoras; o grau de segredo, quanto mais a vítima demora a contar, maiores são os efeitos da violência sexual (BRAUN, 2002; GABEL, 1997).
Após sofrer violência sexual a vítima, na maioria das vezes, apresenta mudanças em seu comportamento, como: vergonha excessiva (era agitada, comunicativa, participativa e aos poucos se fecha; torna-se inibida; não participa mais da convivência social ativamente como antes); autoflagelação (aparece em cortes e manchas pelo corpo). Muitas vítimas ao praticarem a autoflagelação buscam, ao mesmo tempo, esconder o corpo com blusas e calças, mesmo no calor; comportamento sexual inadequado para sua idade (como masturbação excessiva, desenho de órgãos genitais além de sua capacidade etária, linguagem erótica, interesse não usual por assuntos sexuais ou infantilização e regressão ao estado de desenvolvimento anterior); tendências suicidas; fugas constantes de casa ou resistência em voltar para casa após a aula (especialmente nos casos de violência sexual intrafamiliar); papel de mãe; alternância de humor (retraída x extrovertida); resiste a participar de atividades físicas (muitas vezes por sentir dor nos genitais ou alguma outra parte do corpo); resiste a se desvestir ou a ser desvestida (o que remete à cena da violência); mostra medo de lugares fechados; tende mostrar-se “boazinha”; ausência escolar por motivos insubsistentes; fadiga constante; pouca atenção. (BRAUN, 2002).
Tais comportamentos estão associados a indicadores físicos, mais facilmente constatáveis que os psicológicos, que podem ser observados nas seguintes formas:
dificuldade em caminhar e/ou ficar sentada; infecções urinárias; secreções vaginais ou penianas; ausência ou baixo controle dos esfíncteres; sangramento dos órgãos genitais; dor ou coceira na área genital; dor na garganta (amidalite gonocócita ou gonorreia na garganta); dificuldades para urinar ou deglutir; cérvice, vulva, períneo, pênis ou reto edemaciados ou hiperemiados: intróito vaginal ou corrimento; gravidez; AIDS. (BRAUN, 2002).
As consequências psicológicas, mais complexas e de difícil constatação, advindas dessa violência, se constituem em: dificuldades de adaptação afetiva (devido à ausência de confiança nas pessoas); sentimento de culpa (se dá porque a vítima participa do complô do silêncio, pelo fato de acreditar ser ela a causadora da violência sexual, também por ter sentido algum prazer numa situação que é geralmente aversiva); medo da intimidade (recusa, na vida adulta, de estabelecer relações duradouras. Tais relacionamentos significam, para essas vítimas, reviver a experiência traumática com um agressor com quem tinham uma relação íntima); prostituição (a relação incestuosa força a vítima pagar com seu corpo por carinho e cuidados que deveriam ter-lhe sido dispensados gratuitamente. Aprendem que seu corpo pode ser comercializado); tendência a supersexualizar relações sexuais (tem relação com a incapacidade de distinguir relação sexual e afeto. Necessidade compulsiva de relações sexuais para provar que são amadas e para se sentirem adequadas); relações sexuais insatisfatórias (dificuldades em atingir o orgasmo ou experiências de orgasmos não satisfatórias); negação de todo e qualquer relacionamento sexual (ligado a fortes relações fóbicas, as quais bloqueiam o desejo sexual). (BRAUN, 2002).
Todas essas reações, por sua vez, estão relacionadas a aspectos traumáticos da violência sexual sofrida. Em qualquer uma dessas situações, as relações estabelecidas são caracterizadas por insatisfação e sofrimento.
O/A PROFESSOR/A FRENTE À VIOLÊNCIA SEXUAL NO ESPAÇO ESCOLAR
Ao conversamos com os/as professores/as, sujeitos da pesquisa de mestrado aqui abordada, constatamos que a sexualidade aparece relacionada ao “errado”, ou seja, ligada ao pecado que encontra fonte de salvação na Igreja, que aponta como lidar com a nossa sexualidade. Relatam dificuldade frente às curiosidades e interesses dos alunos em conhecer aspectos biológicos e afetivos da sexualidade. Por isso preferem que a sexualidade seja mantida em silêncio.
Biscoli et al. (2005) relata as mais diversas formas de dificuldades dos/as professores/as em compreenderem e lidarem com a sexualidade. Em seu trabalho o autor demarca o preconceito presente na fala dos/as professores/as e enfatiza que
[...] mesmo sem querer, transmitem para os jovens seus preconceitos, ao mesmo tempo em que se limitam a falar do sexo apenas como função reprodutiva, deixando de lado as outras formas de manifestação da sexualidade como a sensibilidade, a paixão, o amor, o medo e o prazer. (p. 52).
Corroboramos com a pesquisa de Biscoli et al. (2005), ao identificarmos, em algumas falas dos/as professores/as entrevistados/as, o seu trabalho limitado ao sexo e seu caráter reprodutivo, como também a exposições puramente biologistas do corpo humano. Evidenciamos na fala dos/as professores/as referente às suas ações frente à sexualidade, que tratar sobre sexo e sexualidade na escola é motivo de tensão para eles.
Aquino (1997) afirma que crianças e adolescentes sentem a necessidade que se fale sobre sexualidade. O autor observa que,
Mesmo comumente pensada como um exercício exterior aos muros escolares, a sexualidade insiste em mostrar seus efeitos, deixar seus vestígios no corpo da instituição. Seria mais legítimo dizer que ela se inscreve literalmente, às vezes, na estrutura das práticas escolares. Exemplo disso? As pichações nos banheiros, nas carteiras, os bilhetes trocados, as mensagens insinuantes. O que dizer, então, dos olhares à procura de decotes arrojados, braguilhas abertas, pernas descobertas? E aquele(a) professor(a), ou colega de sala, para sempre lembrado(a) como objeto de uma paixão juvenil? (p. 9).
Entretanto, se os/as professores/as, devido às limitações advindas da influência do processo histórico na sua criação e da ausência de formação, não trabalham com a questão sexual ou se trabalham, restringem à questão biológica da sexualidade; acabam transmitindo aos alunos que o assunto é mesmo um tabu, do qual não se pode falar.
Partimos do entendimento de Landini (2011) que,
[...] discutir violência sexual significa, necessariamente, discutir sexualidade com os adolescentes. Pensar possíveis soluções para o problema da violência sexual implica pensar crianças e adolescentes como sujeitos ativos – proteger da violência e do abuso não significa isolá-los do mundo (real e virtual), mas prepará-los para lidar com essas situações. Para tanto, a abertura para falar sobre sexualidade é imprescindível. (p. 97-98).
Assim, consideremos primordial para o trabalho com a prevenção e a identificação da violência sexual discussões sobre sexualidade. No entanto, Ouvinte1 destaca ter dificuldade no trabalho com a sexualidade e também com a violência sexual, enfatizando que tanto um aspecto quanto o outro ainda são considerados tabus: “A sexualidade já não é um assunto tranquilo de lidar; é um tabu muito grande e você falar sobre abuso é ainda pior, bem pior, muito difícil”. Para Santos (2002) “quando se trata de violência sexual, falar e intervir não é tarefa fácil, uma vez que o tema mexe profundamente conosco, pois vem carregado dos mitos, tabus e preconceitos que fundamentam nossas práticas e discursos historicamente” (p. 74).
Ressaltamos que crianças e adolescentes revelam muito de seus sofrimentos e seus medos na rotina escolar. Matias (s/data) explica que os sofrimentos e medos, inclusive os gerados pela violência sexual, podem aparecer nos desenhos, nas brincadeiras, nos jogos de faz de conta, meios de demonstrar e até mesmo denunciar quem comete essa violência. Afinal, não é sempre que a vítima expressa verbalmente o acontecido. Enfatizamos também as marcas que aparecem no corpo
1 Os/as professores/as escolheram codinomes para serem retratados na pesquisa.
e que dizem muito sobre a violência cometida. Para Jorge (2010), os sinais apresentados por crianças e adolescentes podem ser os mais diversos, como palavras, expressões, comportamentos, sintomas e até mesmo o silêncio. Tais sinais não podem ser vistos isoladamente e, ao/a professor/a suspeitar de indicadores de violência sexual em seus/suas alunos/as deve denunciar aos órgãos competentes, para que estes possam investigar o caso.
Consideramos necessária a desmistificação da sexualidade e da violência sexual, pois esta gera compreensões estereotipadas que culminam, dentre outros fatores, na cupabilização da vítima ao invés do agressor, que é quem tem a responsabilidade e a culpa pela violência cometida.
No decorrer dos relatos dos/as trinta e um/a (31) professores/as, constatamos o sentido produzido por eles/as em relação às manifestações da sexualidade e da violência sexual nos/as alunos/as em sala de aula, as formas como lidam com essas manifestações e as dificuldades que enfrentam para lidar com elas.
É perceptível, através das falas, que a escola não é compreendida, por esses/as professores/as, como local de privilégio para tratar dos aspectos da sexualidade e da violência sexual, mesmo que crianças e adolescentes demonstrem diariamente, em sala de aula, suas vivências frente a esses dois fenômenos. Dois fatores são destacados pelos/as professores/as como dificultadores para o trabalho com a sexualidade e a violência sexual: a criação familiar repressiva, que implica nas suas ações e compreensões e a ausência de formação na área da sexualidade e da violência sexual.
Assim, mesmo ao trabalhar com a sexualidade, acreditam que não estão educando sexualmente e, acabam transmitindo para os/as alunos/as seus preconceitos enraizados fortemente nas influências morais e religiosas. Sentem grande dificuldade quando os/as alunos/as apresentam curiosidades e demonstram interesse em conhecer aspectos biológicos e afetivos acerca da sexualidade. A maioria dos/as professores/as consideram necessário o trabalho com a sexualidade; no entanto não se sentem preparados para isso; os que trabalham, seja porque consideram importante ou porque são solicitados, como os/as professores/as de
ciências e biologia, acabam por abordar a sexualidade voltada para o aspecto médico-biologista. Há alguns/mas professores/as que afirmam não ter dificuldade nesse trabalho; porém, ao final do ano letivo ainda estavam aguardando intervenções externas, como palestras que abordassem tal temática para, quem sabe, começarem a debater sobre sexualidade.
Figueiró (2006), ao refletir sobre a questão da sexualidade ensina que a escola, enquanto instituição educadora e formadora, não pode mais fugir de seu papel e ignorar as questões sexuais emergentes de todos que a ocupam. Não se pode acreditar que apenas informações biológicas e palestras uma vez ao ano estarão suprindo essa necessidade educacional, tanto dos profissionais quanto dos alunos que a frequentam. Apresenta-se, assim, a fundamental importância do domínio teórico na área da sexualidade que possibilite ao/a professor/a aperfeiçoar sua prática cotidiana referente à sexualidade e à violência sexual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com as discussões empreendidas no decorrer desse estudo, apontamos a problemática da violência sexual, tanto intra quanto extrafamiliar, contra crianças e adolescentes, como um fenômeno complexo, que carece de análise de aspectos de sua gênese para que possa ser enfrentado. Uma criança e/ou um adolescente vítima de violência sexual, “carrega consigo consequências tanto orgânicas quanto psicológicas e dentre as mais comuns a criança apresenta quadros de dificuldades de aprendizagem na escola”. (AZEVEDO; GUERRA, 2007, p. 13). Diversas são as consequências de uma violência sexual, além de influenciar no processo escolar, pode ser internalizada e externalizada de várias formas ao longo da vida.
Segundo Brino e Willians (2003), pautadas em uma pesquisa realizada por estudiosos do fenômeno da violência sexual, em 44% dos casos de violência sexual, o/a professor/a é a primeira pessoa a saber e, em 52% dos casos é o/a primeiro/a adulto/a a saber. Esses dados apontam o/a professor/a como um/a dos/as principais
agentes na denúncia dos casos de violência sexual, podendo ser o primeiro no auxílio ao rompimento do círculo de silêncio. Mesmo com tamanho grau de importância conferido a esses estudos, as autoras revelam que de forma geral, violência sexual e sexualidade são temas pouco tratados nos cursos superiores e/ou na formação de professores/as. Essa realidade se confirmou em nossa pesquisa, na qual somente 22% dos/as professores/as tinham formação na área da sexualidade e da violência sexual, sendo que a maioria dos/as professores/as já atuava há mais de dez (10) anos.
Assim, mesmo sendo agentes importantes no combate, enfrentamento, identificação e prevenção da violência sexual, os/as professores/as se encontram em uma situação que exige deles/as mais do que a sua formação lhes proporciona. Ressaltamos a necessária formação para identificar, cuidadosamente, os casos de violência sexual, sabendo escutar e proceder a um encaminhamento mais adequado à situação. Acreditar na criança e no adolescente, ser empático, não prometer sigilo, até mesmo porque precisarão da ajuda de outros profissionais, explicar que a responsabilidade é do agressor e não da vítima e, ter a percepção de como a vítima se sente ao final da conversa.
Como forma de enfrentamento evidenciamos a participação do Estado no sentido de favorecer e garantir soluções para as problemáticas sociais, mediante a criação e efetivação de políticas públicas que visem a qualidade de vida das crianças, dos adolescentes, de suas famílias e, de capacitação profissional que oportunize a atuação em rede. A escola, enquanto espaço primordial de educação, responderia às demandas do fenômeno no nível da identificação, da prevenção e denúncia. A partir dela é possível fomentar reflexões críticas, acerca de concepções cristalizadas, amparadas no modelo capitalista, gerador e mantenedor das relações desiguais de poder e de exclusão social.
No campo da sexualidade, a postura social antagônica e contraditória, constitui um dos muitos obstáculos existentes para a prevenção, a identificação e intervenção da/na violência sexual. Outro impeditivo, reflexo dessa postura adotada socialmente, está na estrutura dos cursos de formação inicial e continuada de
professores/as que, de modo geral, não contemplam a capacitação para atuarem de forma segura e consciente frente aos casos de violência sexual.
Nesse sentido, para que a educação possa garantir a qualidade de vida das crianças e dos adolescentes e promover a cidadania, cabe aos/as professores/as dominarem o conhecimento científico que permeia o universo da violência sexual, a legislação, os direitos da criança e do adolescente e aspectos fundamentais do desenvolvimento psicossexual humano. Não se trata de delegar a responsabilidade pela transformação social à educação e, sim do reconhecimento da função social fundamental da escola nesse processo.
Defendemos uma educação sexual intencional, tanto no espaço familiar quanto no espaço escolar, em prol da minimização da violência sexual. Temos clareza da importância da temática violência sexual nos cursos de formação de professores/as para que possam identificar quando um aluno está sendo vítima dessa forma de violência. Mesmo que o/a aluno/a não fale, os/as professores/as capacitados poderão escutar seus gritos silenciosos e, intervir nessa situação, contribuindo inclusive para o melhor acompanhamento e compreensão dos processos cognitivos e psíquicos da criança e do adolescente violentados.
Considerando todas as discussões empreendidas até aqui, este artigo teve como intuito colaborar com a ampliação das compreensões e reflexões acerca da violência sexual que adentra os espaços escolares e, se constitui em um aspecto grave e emergente. Denunciamos a gritante falta de investimento do Estado em políticas públicas de proteção contra a violência sexual das crianças e dos adolescentes, como também no preparo dos professores para lidar com esse fenômeno.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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AQUINO, Julio Groppa. Sexualidade na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1997.
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BRASIL. Ministério Público Federal. Estatuto da criança e do adolescente (ECA). Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, DF. Disponível em:. Acesso em: 23 de maio de 2013.
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JORGE, Ana Natália Seabra. Estudos dos Mitos e Crenças que os Professores Possuem acerca do Abuso Sexual Infantil. 2010. Dissertação (Mestrado) – Universidade Fernando Pessoa. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Porto, 2010
LANDINI, Tatiana Savoia. O professor diante da violência sexual. – São Paulo: Cortez. – (Coleção educação e saúde; v.4), 2011.
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SANTOS, Cristiane Andreotti. Enfrentamento da revitimização
Ana Carla Vagliati
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE)
RESUMO
O artigo apresenta resultados da pesquisa de mestrado em educação que objetivou conhecer como os professores lidam com a violência sexual no espaço escolar: se sabem identificar sinais de violência sexual em seus alunos e, quais suas ações frente a esse fenômeno. Para isso, realizamos uma pesquisa empírico-bibliográfica de cunho quali e quantitativo. Realizamos entrevistas individuais com trinta e um (31) professores em onze (11) escolas da rede municipal e estadual do município de Francisco Beltrão – PR, que tinham alunos vítimas de violência sexual. Ancoradas na pesquisa bibliográfica e de campo constatamos limitações dos professores em identificar sinais de violência sexual em seus alunos. Através dos dados empreendidos, concluímos que falta investimento em políticas públicas municipais no que se refere à prevenção e o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, como também, na formação de professores em sexualidade e em educação sexual. Assim, defendemos a formação de professores, em educação sexual emancipatória, como instrumento da maior importância para a prevenção e a identificação da violência sexual no espaço escolar. Tal formação poderá encorajar os professores a escutar os gritos silenciados por essa violência.
Palavras-chave: Educação; Sexualidade; Formação de Professores; Violência Sexual.
INTRODUÇÃO
Autores como Ariès (1978), Azevedo e Guerra (2000), Del Priore (2013), Passetti (2013), dentre tantos outros, nos mostram que a história da criança e do adolescente esteve, em várias épocas e em diversos países, marcada pela vitimização das diversas formas de violência, inclusive a sexual. Esse fenômeno aconteceu e, ainda acontece em larga escala, devido à trama das relações sociais e
culturais de cada época, sejam as concepções autoritárias e repressoras da sociedade patriarcal, com base no comércio sexual dos filhos e nos castigos corporais, ou pela ausência de políticas públicas que priorizem a proteção e o atendimento às crianças e aos adolescentes em situação de vulnerabilidade, aspectos emergentes na realidade brasileira.
Os autores supracitados desvelam a história da criança e do adolescente, nos remetendo, de certa forma a um pesadelo do qual recentemente começamos a despertar. Quanto mais regressamos na história, verificamos quão reduzidos foram os cuidados com essa população. Rompendo barreiras políticas, econômicas, sociais, religiosas e culturais, o fenômeno da violência sexual se constitui num grande desafio às diversas instituições profissionais e sociais.
Neste artigo defendemos que a escola tem papel fundamental na prevenção e na identificação da violência sexual. Acreditamos que o/a professor/a capacitado/a na área da sexualidade e violência sexual conseguirá identificar quando um/a aluno/a está sendo ou já foi vítima de violência sexual e tomar as providência cabíveis, como também, através de uma educação para a sexualidade trabalhar com a prevenção dessa forma de violência. Temos a consciência que a escola não irá solucionar a problemática que permeia a violência sexual, mas que pode ser uma grande aliada nessa questão social.
FACES DA VIOLÊNCIA
A violência sexual, como conhecemos hoje, entra em evidência a partir do século XX, sendo então, considerada como violação dos direitos da criança e do adolescente. Sofreu transformações conceituais, a considerar que sua definição advém de processos históricos, que envolvem o paradigma da proteção integral, inaugurado no país pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990. Para muitos/as autores/as, esta violência é tratada pela terminologia abuso sexual, que será mantida quando nos reportarmos a tais estudiosos/as da área. No presente
estudo utilizamos a terminologia violência sexual por sua ênfase nos debates mundiais e por compreendermos que esta abarca todas as outras.
Gabel (1997), ao se referir etimologicamente ao abuso, define que este indica afastamento do uso (“us”) normal. O abuso é, ao mesmo tempo, mau uso e uso excessivo. Significa ultrapassar os limites, transgredir. Há diversas críticas ao uso do termo abuso sexual, tradução do inglês sexual abuse, pois nele estaria implícito que há um uso (sexual) permitido pelas crianças e pelos adolescentes.
Definimos a violência sexual como uma dominação perversa, sendo, na maioria das vezes, mantida em segredo. Pode se constituir em manipulação psicológica de longa duração e causar consequências permanentes, das quais a vítima não sabe como se livrar, permanecendo imobilizada. É uma violência normalmente repleta de medo e muito sofrimento. Começa por um processo de sedução, que consiste na conquista sutil, que anula a capacidade de decisão da vítima e acaba em sua dominação e aprisionamento. (FALEIROS; FALEIROS, 2008).
A violência sexual segundo Faleiros e Faleiros (2008) se dá
[...] através do contato físico, ou seja, por meio de carícias não desejadas, penetração oral, anal ou vaginal, com o pênis ou objetos, masturbação forçada, dentre outros; e sem contato físico, por exposição obrigatória a material pornográfico, exibicionismo, uso de linguagem erotizada em situação inadequada. (p. 39).
Essa forma de violência contra crianças e adolescentes pode ser intrafamiliar/incestuosa ou não, heterossexual ou homossexual. O contato frequente com esta forma de violência faz com que a criança tenha dificuldade em diferenciar a agressividade das demonstrações de afeto da figura do agressor, que na maioria das vezes é o pai, o padrasto, o tio ou o avô.
No Brasil, a violência sexual ganhou evidência no início da década de 1990 e passou a ser tratada como um problema para além do âmbito familiar. Isso se deve ao fato de, no início dessa década, ter-se aprovado no âmbito social o ECA, que estabelece obrigatoriedade a toda sociedade de proteger e garantir os direitos das
crianças e dos adolescentes. Com a aprovação dessa Lei Federal, nᵒ 8.069/90, o Brasil passou a ser pioneiro em termos de proteção integral da criança e do adolescente em situação de risco, considerando a vida, a saúde e o bem-estar físico e psicológico. (BRAUN, 2002; SANTOS, 2011).
Anteriormente a esse período, a criança e o adolescente não ocupavam lugar de preocupação na legislação e na sociedade civil. A violência sexual vista como forma de violação de direitos passou a ter punição legal; assim, tanto quem a comete contra uma criança e/ou um adolescente quanto quem sabe, mas omite tal informação é punido na forma da lei. A partir de então, exige-se uma postura mais protetora por parte da sociedade, em especial das pessoas que convivem diariamente com crianças e adolescentes. O ECA também estabelece tal responsabilidade aos/as profissionais da educação e da saúde, destaque fundamental aos/as professores/as e aos/as médicos/as na comunicação às autoridades competentes, sendo que à omissão incide-se multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. (BRASIL, 1990; FALEIROS; FALEIROS, 2008; LANDINI, 2011).
Essa forma de violência assume diferentes características. Na violência intrafamiliar, que apresenta maiores índices e submete a vítima por um longo período, constata-se uma dinâmica característica que identifica essa família incestogênica. A violência sexual extrafamiliar aparece em níveis menos elevados e normalmente acontece só uma vez. Vitima crianças e adolescentes nos mais diferentes espaços sociais. A vivência dessa violência, tanto intrafamiliar quanto extrafamiliar, por crianças e adolescentes, pode acarretar sérias consequências físicas e psicológicas, prejudiciais para seu desenvolvimento, inclusive para as relações afetivo-sexuais na vida adulta. Ainda assim, todos os dias, em alguma parte do Brasil, crianças e adolescentes são vítimas dessa violência.
Consideramos que não se pode falar de trauma infligido às crianças e aos adolescentes sem pensar no contexto em que ele ocorre. Há fatores que podem estar relacionados ao dano emocional, causado pela violência sexual, como: a idade em que a violência iniciou (quanto mais nova a criança, mais difusos e severos
serão os efeitos); há quanto tempo acontece a violência (quanto mais duradouros e frequentes, mais sérios são os danos); o grau da violência ou as ameaças empregadas (quanto maior a força - danos físicos e, maiores forem as ameaças - danos psicológicos, piores serão os efeitos da violência sexual, isso se deve à anulação da criança e/ou adolescente enquanto sujeito); a diferença de idade entre o abusador e a vítima, pois se entende que, quanto mais distante for uma idade da outra, maiores serão os danos psíquicos; o grau de relacionamento entre abusador e vítima, sendo maiores e mais profundos os danos quando a violência é incestuosa pai/filha; a ausência de figuras parentais protetoras; o grau de segredo, quanto mais a vítima demora a contar, maiores são os efeitos da violência sexual (BRAUN, 2002; GABEL, 1997).
Após sofrer violência sexual a vítima, na maioria das vezes, apresenta mudanças em seu comportamento, como: vergonha excessiva (era agitada, comunicativa, participativa e aos poucos se fecha; torna-se inibida; não participa mais da convivência social ativamente como antes); autoflagelação (aparece em cortes e manchas pelo corpo). Muitas vítimas ao praticarem a autoflagelação buscam, ao mesmo tempo, esconder o corpo com blusas e calças, mesmo no calor; comportamento sexual inadequado para sua idade (como masturbação excessiva, desenho de órgãos genitais além de sua capacidade etária, linguagem erótica, interesse não usual por assuntos sexuais ou infantilização e regressão ao estado de desenvolvimento anterior); tendências suicidas; fugas constantes de casa ou resistência em voltar para casa após a aula (especialmente nos casos de violência sexual intrafamiliar); papel de mãe; alternância de humor (retraída x extrovertida); resiste a participar de atividades físicas (muitas vezes por sentir dor nos genitais ou alguma outra parte do corpo); resiste a se desvestir ou a ser desvestida (o que remete à cena da violência); mostra medo de lugares fechados; tende mostrar-se “boazinha”; ausência escolar por motivos insubsistentes; fadiga constante; pouca atenção. (BRAUN, 2002).
Tais comportamentos estão associados a indicadores físicos, mais facilmente constatáveis que os psicológicos, que podem ser observados nas seguintes formas:
dificuldade em caminhar e/ou ficar sentada; infecções urinárias; secreções vaginais ou penianas; ausência ou baixo controle dos esfíncteres; sangramento dos órgãos genitais; dor ou coceira na área genital; dor na garganta (amidalite gonocócita ou gonorreia na garganta); dificuldades para urinar ou deglutir; cérvice, vulva, períneo, pênis ou reto edemaciados ou hiperemiados: intróito vaginal ou corrimento; gravidez; AIDS. (BRAUN, 2002).
As consequências psicológicas, mais complexas e de difícil constatação, advindas dessa violência, se constituem em: dificuldades de adaptação afetiva (devido à ausência de confiança nas pessoas); sentimento de culpa (se dá porque a vítima participa do complô do silêncio, pelo fato de acreditar ser ela a causadora da violência sexual, também por ter sentido algum prazer numa situação que é geralmente aversiva); medo da intimidade (recusa, na vida adulta, de estabelecer relações duradouras. Tais relacionamentos significam, para essas vítimas, reviver a experiência traumática com um agressor com quem tinham uma relação íntima); prostituição (a relação incestuosa força a vítima pagar com seu corpo por carinho e cuidados que deveriam ter-lhe sido dispensados gratuitamente. Aprendem que seu corpo pode ser comercializado); tendência a supersexualizar relações sexuais (tem relação com a incapacidade de distinguir relação sexual e afeto. Necessidade compulsiva de relações sexuais para provar que são amadas e para se sentirem adequadas); relações sexuais insatisfatórias (dificuldades em atingir o orgasmo ou experiências de orgasmos não satisfatórias); negação de todo e qualquer relacionamento sexual (ligado a fortes relações fóbicas, as quais bloqueiam o desejo sexual). (BRAUN, 2002).
Todas essas reações, por sua vez, estão relacionadas a aspectos traumáticos da violência sexual sofrida. Em qualquer uma dessas situações, as relações estabelecidas são caracterizadas por insatisfação e sofrimento.
O/A PROFESSOR/A FRENTE À VIOLÊNCIA SEXUAL NO ESPAÇO ESCOLAR
Ao conversamos com os/as professores/as, sujeitos da pesquisa de mestrado aqui abordada, constatamos que a sexualidade aparece relacionada ao “errado”, ou seja, ligada ao pecado que encontra fonte de salvação na Igreja, que aponta como lidar com a nossa sexualidade. Relatam dificuldade frente às curiosidades e interesses dos alunos em conhecer aspectos biológicos e afetivos da sexualidade. Por isso preferem que a sexualidade seja mantida em silêncio.
Biscoli et al. (2005) relata as mais diversas formas de dificuldades dos/as professores/as em compreenderem e lidarem com a sexualidade. Em seu trabalho o autor demarca o preconceito presente na fala dos/as professores/as e enfatiza que
[...] mesmo sem querer, transmitem para os jovens seus preconceitos, ao mesmo tempo em que se limitam a falar do sexo apenas como função reprodutiva, deixando de lado as outras formas de manifestação da sexualidade como a sensibilidade, a paixão, o amor, o medo e o prazer. (p. 52).
Corroboramos com a pesquisa de Biscoli et al. (2005), ao identificarmos, em algumas falas dos/as professores/as entrevistados/as, o seu trabalho limitado ao sexo e seu caráter reprodutivo, como também a exposições puramente biologistas do corpo humano. Evidenciamos na fala dos/as professores/as referente às suas ações frente à sexualidade, que tratar sobre sexo e sexualidade na escola é motivo de tensão para eles.
Aquino (1997) afirma que crianças e adolescentes sentem a necessidade que se fale sobre sexualidade. O autor observa que,
Mesmo comumente pensada como um exercício exterior aos muros escolares, a sexualidade insiste em mostrar seus efeitos, deixar seus vestígios no corpo da instituição. Seria mais legítimo dizer que ela se inscreve literalmente, às vezes, na estrutura das práticas escolares. Exemplo disso? As pichações nos banheiros, nas carteiras, os bilhetes trocados, as mensagens insinuantes. O que dizer, então, dos olhares à procura de decotes arrojados, braguilhas abertas, pernas descobertas? E aquele(a) professor(a), ou colega de sala, para sempre lembrado(a) como objeto de uma paixão juvenil? (p. 9).
Entretanto, se os/as professores/as, devido às limitações advindas da influência do processo histórico na sua criação e da ausência de formação, não trabalham com a questão sexual ou se trabalham, restringem à questão biológica da sexualidade; acabam transmitindo aos alunos que o assunto é mesmo um tabu, do qual não se pode falar.
Partimos do entendimento de Landini (2011) que,
[...] discutir violência sexual significa, necessariamente, discutir sexualidade com os adolescentes. Pensar possíveis soluções para o problema da violência sexual implica pensar crianças e adolescentes como sujeitos ativos – proteger da violência e do abuso não significa isolá-los do mundo (real e virtual), mas prepará-los para lidar com essas situações. Para tanto, a abertura para falar sobre sexualidade é imprescindível. (p. 97-98).
Assim, consideremos primordial para o trabalho com a prevenção e a identificação da violência sexual discussões sobre sexualidade. No entanto, Ouvinte1 destaca ter dificuldade no trabalho com a sexualidade e também com a violência sexual, enfatizando que tanto um aspecto quanto o outro ainda são considerados tabus: “A sexualidade já não é um assunto tranquilo de lidar; é um tabu muito grande e você falar sobre abuso é ainda pior, bem pior, muito difícil”. Para Santos (2002) “quando se trata de violência sexual, falar e intervir não é tarefa fácil, uma vez que o tema mexe profundamente conosco, pois vem carregado dos mitos, tabus e preconceitos que fundamentam nossas práticas e discursos historicamente” (p. 74).
Ressaltamos que crianças e adolescentes revelam muito de seus sofrimentos e seus medos na rotina escolar. Matias (s/data) explica que os sofrimentos e medos, inclusive os gerados pela violência sexual, podem aparecer nos desenhos, nas brincadeiras, nos jogos de faz de conta, meios de demonstrar e até mesmo denunciar quem comete essa violência. Afinal, não é sempre que a vítima expressa verbalmente o acontecido. Enfatizamos também as marcas que aparecem no corpo
1 Os/as professores/as escolheram codinomes para serem retratados na pesquisa.
e que dizem muito sobre a violência cometida. Para Jorge (2010), os sinais apresentados por crianças e adolescentes podem ser os mais diversos, como palavras, expressões, comportamentos, sintomas e até mesmo o silêncio. Tais sinais não podem ser vistos isoladamente e, ao/a professor/a suspeitar de indicadores de violência sexual em seus/suas alunos/as deve denunciar aos órgãos competentes, para que estes possam investigar o caso.
Consideramos necessária a desmistificação da sexualidade e da violência sexual, pois esta gera compreensões estereotipadas que culminam, dentre outros fatores, na cupabilização da vítima ao invés do agressor, que é quem tem a responsabilidade e a culpa pela violência cometida.
No decorrer dos relatos dos/as trinta e um/a (31) professores/as, constatamos o sentido produzido por eles/as em relação às manifestações da sexualidade e da violência sexual nos/as alunos/as em sala de aula, as formas como lidam com essas manifestações e as dificuldades que enfrentam para lidar com elas.
É perceptível, através das falas, que a escola não é compreendida, por esses/as professores/as, como local de privilégio para tratar dos aspectos da sexualidade e da violência sexual, mesmo que crianças e adolescentes demonstrem diariamente, em sala de aula, suas vivências frente a esses dois fenômenos. Dois fatores são destacados pelos/as professores/as como dificultadores para o trabalho com a sexualidade e a violência sexual: a criação familiar repressiva, que implica nas suas ações e compreensões e a ausência de formação na área da sexualidade e da violência sexual.
Assim, mesmo ao trabalhar com a sexualidade, acreditam que não estão educando sexualmente e, acabam transmitindo para os/as alunos/as seus preconceitos enraizados fortemente nas influências morais e religiosas. Sentem grande dificuldade quando os/as alunos/as apresentam curiosidades e demonstram interesse em conhecer aspectos biológicos e afetivos acerca da sexualidade. A maioria dos/as professores/as consideram necessário o trabalho com a sexualidade; no entanto não se sentem preparados para isso; os que trabalham, seja porque consideram importante ou porque são solicitados, como os/as professores/as de
ciências e biologia, acabam por abordar a sexualidade voltada para o aspecto médico-biologista. Há alguns/mas professores/as que afirmam não ter dificuldade nesse trabalho; porém, ao final do ano letivo ainda estavam aguardando intervenções externas, como palestras que abordassem tal temática para, quem sabe, começarem a debater sobre sexualidade.
Figueiró (2006), ao refletir sobre a questão da sexualidade ensina que a escola, enquanto instituição educadora e formadora, não pode mais fugir de seu papel e ignorar as questões sexuais emergentes de todos que a ocupam. Não se pode acreditar que apenas informações biológicas e palestras uma vez ao ano estarão suprindo essa necessidade educacional, tanto dos profissionais quanto dos alunos que a frequentam. Apresenta-se, assim, a fundamental importância do domínio teórico na área da sexualidade que possibilite ao/a professor/a aperfeiçoar sua prática cotidiana referente à sexualidade e à violência sexual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com as discussões empreendidas no decorrer desse estudo, apontamos a problemática da violência sexual, tanto intra quanto extrafamiliar, contra crianças e adolescentes, como um fenômeno complexo, que carece de análise de aspectos de sua gênese para que possa ser enfrentado. Uma criança e/ou um adolescente vítima de violência sexual, “carrega consigo consequências tanto orgânicas quanto psicológicas e dentre as mais comuns a criança apresenta quadros de dificuldades de aprendizagem na escola”. (AZEVEDO; GUERRA, 2007, p. 13). Diversas são as consequências de uma violência sexual, além de influenciar no processo escolar, pode ser internalizada e externalizada de várias formas ao longo da vida.
Segundo Brino e Willians (2003), pautadas em uma pesquisa realizada por estudiosos do fenômeno da violência sexual, em 44% dos casos de violência sexual, o/a professor/a é a primeira pessoa a saber e, em 52% dos casos é o/a primeiro/a adulto/a a saber. Esses dados apontam o/a professor/a como um/a dos/as principais
agentes na denúncia dos casos de violência sexual, podendo ser o primeiro no auxílio ao rompimento do círculo de silêncio. Mesmo com tamanho grau de importância conferido a esses estudos, as autoras revelam que de forma geral, violência sexual e sexualidade são temas pouco tratados nos cursos superiores e/ou na formação de professores/as. Essa realidade se confirmou em nossa pesquisa, na qual somente 22% dos/as professores/as tinham formação na área da sexualidade e da violência sexual, sendo que a maioria dos/as professores/as já atuava há mais de dez (10) anos.
Assim, mesmo sendo agentes importantes no combate, enfrentamento, identificação e prevenção da violência sexual, os/as professores/as se encontram em uma situação que exige deles/as mais do que a sua formação lhes proporciona. Ressaltamos a necessária formação para identificar, cuidadosamente, os casos de violência sexual, sabendo escutar e proceder a um encaminhamento mais adequado à situação. Acreditar na criança e no adolescente, ser empático, não prometer sigilo, até mesmo porque precisarão da ajuda de outros profissionais, explicar que a responsabilidade é do agressor e não da vítima e, ter a percepção de como a vítima se sente ao final da conversa.
Como forma de enfrentamento evidenciamos a participação do Estado no sentido de favorecer e garantir soluções para as problemáticas sociais, mediante a criação e efetivação de políticas públicas que visem a qualidade de vida das crianças, dos adolescentes, de suas famílias e, de capacitação profissional que oportunize a atuação em rede. A escola, enquanto espaço primordial de educação, responderia às demandas do fenômeno no nível da identificação, da prevenção e denúncia. A partir dela é possível fomentar reflexões críticas, acerca de concepções cristalizadas, amparadas no modelo capitalista, gerador e mantenedor das relações desiguais de poder e de exclusão social.
No campo da sexualidade, a postura social antagônica e contraditória, constitui um dos muitos obstáculos existentes para a prevenção, a identificação e intervenção da/na violência sexual. Outro impeditivo, reflexo dessa postura adotada socialmente, está na estrutura dos cursos de formação inicial e continuada de
professores/as que, de modo geral, não contemplam a capacitação para atuarem de forma segura e consciente frente aos casos de violência sexual.
Nesse sentido, para que a educação possa garantir a qualidade de vida das crianças e dos adolescentes e promover a cidadania, cabe aos/as professores/as dominarem o conhecimento científico que permeia o universo da violência sexual, a legislação, os direitos da criança e do adolescente e aspectos fundamentais do desenvolvimento psicossexual humano. Não se trata de delegar a responsabilidade pela transformação social à educação e, sim do reconhecimento da função social fundamental da escola nesse processo.
Defendemos uma educação sexual intencional, tanto no espaço familiar quanto no espaço escolar, em prol da minimização da violência sexual. Temos clareza da importância da temática violência sexual nos cursos de formação de professores/as para que possam identificar quando um aluno está sendo vítima dessa forma de violência. Mesmo que o/a aluno/a não fale, os/as professores/as capacitados poderão escutar seus gritos silenciosos e, intervir nessa situação, contribuindo inclusive para o melhor acompanhamento e compreensão dos processos cognitivos e psíquicos da criança e do adolescente violentados.
Considerando todas as discussões empreendidas até aqui, este artigo teve como intuito colaborar com a ampliação das compreensões e reflexões acerca da violência sexual que adentra os espaços escolares e, se constitui em um aspecto grave e emergente. Denunciamos a gritante falta de investimento do Estado em políticas públicas de proteção contra a violência sexual das crianças e dos adolescentes, como também no preparo dos professores para lidar com esse fenômeno.
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SANTOS, Cristiane Andreotti. Enfrentamento da revitimização
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